O Bom, o Belo e o Verdadeiro formam a mais famosa tríade da filosofia. Uma
tríade que relaciona corpo, alma e espírito. O corpo busca a sensação do que é
Bom, a alma busca a Beleza e o espírito busca a Verdade.
No
que diz respeito ao Belo, o filósofo Platão, da Grécia Antiga, definia como
sendo toda ideia (o inteligível e o mundo sensível). Ele compreendia o Mundo
das Ideias como superior e onde habitariam ideias perfeitas (o Bom, o Belo e o
Verdadeiro). Para o filósofo, as obras de arte eram apenas simulacros do mundo
visível que, por sua vez, seria cópia do mundo das ideias. Abria exceção apenas
para a poesia. Em sua concepção de cidade ideal, por exemplo, os artistas – que
não conheciam o Belo, pois apenas copiavam o visível – seriam expulsos porque
poderiam confundir as pessoas sobre o que é certo e o que não é.
Porém,
Aristóteles, discípulo de Platão, divergia da concepção do mestre. Aristóteles
acreditava no poder da experiência como forma de conhecer através da observação
e dos cinco sentidos. Em sua obra A Poética, o filósofo deixou claro que
compreendia que a Arte tem o potencial de propiciar algo prazeroso e, por isso,
ela era positiva. Ele interpretava a identificação humana com a Arte como um
processo de catarse, quando colocamos para fora o que nos angustia ou nos deixa
felizes.
A
partir disto, as concepções de Platão e Aristóteles foram levadas adiante
adentrando a Idade Média em ressiginifcações feitas por dois outros notórios
pensadores históricos, o teólogo Agostinho de Hipona (mais conhecido como Santo
Agostinho) e o teólogo e filósofo Tomás de Aquino. Neste período, houve duas
predominantes visões sobre a Beleza.
A
primeira visão, de Agostinho de Hipona, mais próxima da visão de Platão. Para o
ele, a Beleza não se encontrava na arte, mas na manifestação de Deus no ser
humano. Isso corrobora com a visão de maior parte da Idade Média, quando o
artista era visto apenas com um trabalhador que dominava uma técnica em
detrimento do status elevado que muitos artistas ganharam na
modernidade. A segunda perspectiva, de Tomaz de Aquino, recupera a
filosofia de Aristóteles. Para o frade, a Beleza emanada de Deus poderia
aparecer na matemática e nas proporções da arquitetura das igrejas. No final da
idade média, a influência de Tomás de Aquino contribuiu para que a Beleza fosse
compreendida como sinônimo do ideal divino, de Deus. A arte e a arquitetura nos
templos medievais, por exemplo, eram religiosas e uma forma de aproximação com
a beleza divina e se converter ao cristianismo.
Já na era moderna, para o filósofo Immanuel Kant, o Belo poderia ser
percebido por si próprio e não é o único valor estético. Para ele, a
experiência estética (do Belo) se impõe através da arte quando não esperamos
nada dela como quando nos “deixamos levar” ao ouvir uma sinfonia de Beethoven,
por exemplo. Para Kant, o Belo é concebido a partir de nossa representação
interna e é uma forma de beleza ideal e imaterial. Está na subjetividade, na
impressão pessoal do espectador em dado momento. Para o filósofo, entretanto,
há ainda o Sublime que transcende o Belo e é “o que eleva” e provoca sensações
ligadas a aspectos incomensuráveis, tais como o “estado da alma” perante
fenômenos da natureza (como o toque das gotas de chuva em meio a uma tempestade
e a admiração contemplativa diante um pôr do sol).
Na contemporaneidade, os padrões de beleza passaram a ser questionados. Nesse sentido, Nietzsche trouxe uma colaboração importante utilizando as figuras dos deuses gregos Apolo e Dionísio como representação da dualidade humana. Apolo simboliza a razão, a beleza e a ética de forma contida e organizada. Dionísio remete a embriaguez, ao caos, a falta de medida e à paixão. Nietzsche compreendia o princípio Apolíneo-dionisíaco como opostos de forças que se complementam. Para ele, nós precisamos da ordem e harmonia tanto quanto do disforme e do desvario, nisto estaria o equilíbrio, a autenticidade e a Beleza.
No
entanto, como ser social e cultural, o ser humano busca compartilhar o valor
estético daquilo que percebe como Belo. Assim, ao expressar o valor estético o
admirador espera que este juízo seja reconhecido pela coletividade e procura
oferecer razões que embasem o juízo do gosto auto estabelecido. Desta forma, o
espírito investigativo das reflexões sobre a Beleza se expandiram também para o
campo científico e vários estudos procuram decifrar o julgamento que está por
trás da beleza. Um estudo publicado na Current Biology comprovou que muito do
que atrai as pessoas (considerado como Belo) é determinado por experiências
individuais, o que corrobora, até certo sentido, à percepção da filosofia kantiana.
Destarte,
por séculos, poetas, músicos e musicistas, escultores e escultoras, pintores e
pintoras procuram representar o Belo através da arte (ou do fazer artístico),
na simples e árdua tentativa de perpetua-lo e expressá-lo. Entretanto, em
tempos atuais, com uma indústria-cultural de forte mentalidade utilitarista em
sinergia com o capitalismo que nos vende que tudo deve ser útil e próprio para
o consumo, esta não é uma tarefa fácil.
O
utilitarismo e o capitalismo “transformam” o Belo, o Sublime e a Arte em
produtos vendáveis de entretenimento: reduz a música de Beethoven à “música
ambiente”, reproduz cópias do pensador de Rodin e fotocópias dos girassóis de
Van Gogh como se fossem meros objetos de decoração e recorta versos
descontextualizados de Cecília Meireles para posts de redes
sociais com intuito de ganhar likes. Em outras palavras, a arte
deve servir para o mercado varejista: lazer, entretenimento e ou diversão.
Deste modo, “tudo o que nas obras de arte e de pensamento significa trabalho de
sensibilidade, da imaginação, da inteligência, da reflexão e da crítica não tem
interesse se não vender” [1].
Tal
perspectiva restringe a arte a somente um objeto que nos sirva e, muitas vezes,
“banaliza a expressão artística e intelectual em lugar de difundir e divulgar a
cultura, o que acaba vulgarizando as artes” [1]. Além disso, reduz a arte a
algo sensabor, pois faz dela um mero artifício que precisa ser copiado em
série, perdendo-se assim o fazer artístico e a sua consequente apreciação como
desbravamento de horizonte e contemplação do Belo.
Se Platão e Agostinho de Hipona estivessem vivos talvez se assustassem em como nos afastamos do Belo com o simulacro do simulacro da Verdade a que convertemos a arte copiada para as massas. Se Aristóteles e Tomás de Aquino estivessem entre nós talvez se lamentassem pela vulgarização da arte e o quanto isto dificulta nosso processo poderoso da experiência de catarse e, na releitura de Tomás, de aproximação com Deus. Se Kant caminhasse em nossa época, talvez tivesse dificuldade em aceitar como nos tornamos tão padronizados e subjugados aos valores de mercado em relação ao Belo e anestesiados para percebermos o Sublime. Se Nietzsche habitasse em nosso tempo, talvez diagnosticasse em seu semelhante a decadente inautenticidade na busca por um ideal massificado de beleza em postagens de redes sociais.
Porém,
mesmo com todas as distorções e reducionismo do utilitarismo e do consumo a
arte resiste e mantém o seu papel de importância. Talvez por precisarmos da
contemplação do que é Belo, da comunicação com o que é sensível, com o que
transcende e que nos faz experienciar sensações indescritíveis e torna a nossa
existência mais significativa.
Como
diria Ferrera Gullar, “a arte existe porque a vida não basta” e por isso talvez
a arte venda tanto ainda que industrializada e, por vezes, quase insossa.
Talvez mesmo em meio a tanta distorção e caminhos tortuosos que a complexidade
coletiva construiu ainda exista algo na arte que nos remeta a busca pelo
momento raro do que é Belo.
Por
tudo isto, é possível considerarmos a arte como uma expressão que busca
representar o Belo, mas que nem sempre isto acontece devido a interesses de
produção que fogem do fazer artístico. Ainda assim, é possível experienciá-lo,
mesmo considerado raro, por meio da arte. E, talvez, esta busca pelo o que é
Belo seja inerente à condição humana por tornar a nossa vida com mais sentido e
nos remeter a uma percepção conclusiva: - Sim, a beleza e a arte [ainda]
importam!
*Vânderson Domingues é orientador filosófico, escritor, compositor e poeta. Graduado em Filosofia e pós-graduado em Clínica Existencialista Sartriana.
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REFERÊNCIAS:
[1]
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Indústria Cultural e seus impactos sociais. 2003. Monografia (Bacharelado
em Marketing) - Marketing, Estácio/FIB, Salvador, 2003.
A
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e dionisíaco: a criatividade segundo Nietzsche. 2017. Disponível em: <http://www.netmundi.org/filosofia/2017/os-conceitos-de-apolineo-e-dionisiaco-de-nietzsche/>.
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