No berço da
filosofia grega, no período arcaico (entre 800 a.C. e 500 a.C), a preocupação
inicial dos filósofos era distinguir o sentido de mundo mitológico dado pelo
pensamento vigente, ou seja, pela religião, de uma compreensão mais racional da
vida.
Assim, em
seu primeiro momento, a filosofia se dedicou à natureza, também chamada
de physis. Os pensadores que se dedicaram a physis eram
chamados de pré-socráticos. Os problemas filosóficos dos pré-socráticos -
dentre eles Heráclito, Tales de Mileto, Pitágoras, entre outros - passavam pela
astronomia, cosmologia, criações de teoremas e o princípio da natureza. A
denominação de pré-socráticos advém - não porque teriam vivido antes do
filósofo Sócrates, como o nome poderia sugerir -, mas por
terem desenvolvido uma abordagem tendo a natureza e o cosmos como preocupação
central e sem o impacto do pensamento socrático sobre os temas investigados.
Já no
período clássico (entre 500 e 338 a.C), com a experiência democrática grega
ateniense, o dinamismo político e social inaugurou discussões públicas de
cidadãos sobre os seus próprios destinos. Deste modo, a emergente organização
da cidade fez surgir uma nova demanda filosófica e as discussões sobre a physis passaram
a dividir espaço com as discussões sobre o nomos (que pode ser
compreendido como o que é partilhado pelos seres humanos tais quais leis,
costumes, valores etc.).
Além da
temática de cunho moral (nomos), com a evolução dos debates públicos
surgiu também a preocupação com a forma de pensar, de articular o pensamento e
com o discurso para o convencimento (desde grandes grupos de pessoas como em
diálogos entre apenas duas pessoas). Neste âmbito, uma nova abordagem filosófica
ganhou força, o sofismo. Os sofistas, tidos como sábios, eram eficientes na
arte da persuasão, tanto em convencer os outros como em ensinar virtudes com
métodos de convencimento.
Ao que tange
a moral, os sofistas tratavam a questão com grande relativismo. Isso porque se
valiam de que definir o que é bom e o que é mal é uma tarefa que passa longe de
ser absoluta. Segundo SILVA (2019), mesmo uma ação simples que pareça boa a
priori, como dar dinheiro a alguém em situação de vulnerabilidade, pode ter
consequências danosas pela possibilidade de gerar dependência e ou alimentar
algum vício. Inversamente, pode se pensar que não dar dinheiro a esta mesma
pessoa pode ser egoísta, já que a ação pode ter um intuito de favorecer um
impulso para a autonomia desta pessoa.
Dentre os
sofistas famosos na época, ironicamente, estava Sócrates, que hoje é conhecido
como um grande opositor do sofismo. Isso talvez tenha acontecido porque o
sofismo passou a ter, ao longo da história – o que começou principalmente após
o posicionamento crítico de Platão e Aristóteles -, um sentido pejorativo.
Sócrates
marcou profundamente a história da filosofia por ter colocado, à sua maneira, o
ser humano e a moral como questão central do seu pensamento. Para Sócrates, a
moral era uma questão que tinha como início o conhecimento, mais especificamente
o fundamento da busca do conhecimento, tanto o do ser humano num sentido amplo
como também o de si mesmo, ao qual ele expressa com a máxima
“conhece-te a ti mesmo”.
Para colocar
em prática o fundamento moral da busca por conhecimento, Sócrates empregou o
que ficaria conhecido como dialética. Divergindo da lógica vigente em seu
tempo, onde a moral se dava de forma arbitrária através da mitologia com a
obediência aos deuses e ou do êxito na carreira política como afirmavam os
sofistas, Sócrates desenvolveu um método para buscar a verdade.
Mas como o
filósofo colocava isto em prática? O seu método dialético consistia
inicialmente em questionar os fundamentos postulados de forma arbitrária, e
Sócrates o fazia através de diálogos com quaisquer cidadãos. Por meio de
perguntas simples sobre preconceitos recebidos e opiniões, o filósofo revelava
contradições no pensamento do interlocutor e colocava em cheque valores
irrefletidos. Nesse sentido, era comum que os diálogos de Sócrates terminassem
no que é conhecido como Aporia, ou seja, em uma contradição de caráter
negativo, uma negação dos conceitos dados.
Platão, por
sua vez, se posicionava de forma um pouco diferente do seu mestre Sócrates com
relação a moral. Porém, assim como aconteceu com Sócrates, investigar os temas
morais também o preocupava e aparece muitas vezes em seus diálogos.
Em Mênon, o próprio abre a discussão com tema fazendo a
seguinte pergunta a Sócrates: “Estarias disposto a dizer-me, Sócrates, se a
virtude (areté) pode ser ensinada? Ou se pode ser adquirida por exercício? Ou
quem sabe se não é ensinável nem adquirível pela prática, mas recebida de nossa
própria natureza? Ou, talvez, de outra qualquer maneira?”.
O diálogo
de Mênon e Sócrates se desenvolve e termina quão comumente de
forma aporética e com uma clara dificuldade de se firmar um conceito do que é
moral. Entretanto, Platão, que no início de sua jornada como filósofo tinha uma
abordagem próxima a de Sócrates, com o desenvolvimento de uma filosofia
própria, cada vez mais se afasta do seu mestre. Assim, Platão fornece um
caminho distinto para a fundamentação da questão moral. Este caminho,
apresentado em A república, é através da razão.
*Vânderson Domingues é orientador filosófico, escritor, compositor e poeta. Graduado em Filosofia e pós-graduado em Clínica Existencialista Sartriana.
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REFERÊNCIAS:
CONCEIÇÃO
PEREIRA, Lucila. Método socrático. [S. l.], [2019].
Disponível em: https://www.infoescola.com/pedagogia/metodo-socratico/. Acesso
em: 25 out. 2019.
DIAS DA
SILVA, Thiago. Filosofia Moral: O humano como problema:
Sócrates, Platão: a virtude é natural ou adquirida?, UNISA, [2019]. Acesso
em: 25 out. 2019.
O MÉTODO dialético de Sócrates e sua finalidade. [S. l.], [2019].
Disponível em:
https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/filosofia/o-metodo-dialetico-socrates-sua-finalidade-1.htm.
Acesso em: 25 out. 2019.
PLATÃO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2019. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Platão#Ética_e_justiça>. Acesso em: 25 out. 2019.