Sartre |
JEAN-PAUL SARTRE, (1905
- 1980), filósofo francês, escritor e crítico, conhecido representante do
existencialismo.
O livro L'être et le
néant: Essai d'ontologie phénoménologique (em português O ser e o nada: Ensaio
de ontologia fenomenológica) é um tratado filosófico de 1943 escrito por
Jean-Paul Sartre que é tido como marco para o início do crescimento do
existencialismo no século XX.
Seu foco principal é
definir a consciência como transcendente. Muito influenciado pelo Ser e tempo
de Martin Heidegger ainda que Sartre fosse extremamente cético a qualquer
medida através da qual a humanidade pudesse atingir um estado de completude
comparável ao hipotético re-encontro heideggeriano com o Ser.
Leia um trecho:
"O Passado
Toda teoria sobre a
memória encerra uma pressuposição sobre o ser do passado. Tais pressuposições,
nunca elucidadas, obscureceram o problema da memória e da temporalidade em
geral. É preciso, então, de uma vez por todas, colocar a pergunta: qual é o ser
de um ser passado? O senso comum oscila entre duas concepções igualmente vagas:
o passado, diz-se, não é mais. Desse ponto de vista, parece que se quer
atribuir o ser somente ao presente. Esta pressuposição ontológica engendrou a
famosa teoria das impressões cerebrais: já que o passado não é mais, pois
desvaneceu-se no nada, se a recordação contínua existindo, é preciso que seja a
título de modificação presente de nosso ser; por exemplo, uma impressão marcada
agora em grupo de células cerebrais. Assim, tudo é presente: o corpo, a
percepção presente e o passado como impressão presente no corpo; tudo está em
ato porque a impressão não tem existência virtual enquanto recordação; é
integralmente impressão atual. Se a recordação ressurge, é no presente, em
conseqüência de um processo presente, ou seja, como ruptura de um equilíbrio
protoplasmático no grupo celular considerado. Eis o paralelo psicofisiológico,
que é instantâneo e extratemporal, para explicar como esse processo fisiológico
é correlato a um fenômeno estritamente físico mas igualmente presente: a
aparição da imagem-recordação na consciência. A noção mais recente de engrama
não faz mais que adornar esta teoria com uma terminologia pseudocientífico.
Mas, se tudo é presente, como explicar a passividade da recordação, ou seja, o
fato de que sua intenção, uma consciência que se rememora transcende o presente
para visar um acontecimento lá onde ele foi? Assinalamos em outra obra que não
há meio algum de distinguir a imagem da percepção se começamos fazendo da
imagem uma percepção renascente. Encontramos aqui as mesmas impossibilidades.
Mas, além disso, nos privamos do meio de distinguir imagem e recordação: nem a
‘fragilidade’ da recordação, nem sua palidez, nem seu caráter incompleto nem as
contradições que ostenta frente aos dados da percepção podem distingui-la da
imagem-ficção, pois esta apresenta os mesmos caracteres; e, por outro lado,
esses caracteres, sendo qualidades presentes da recordação, não poderiam
fazer-nos sair do presente para ir ao passado. Em vão se invocará a qualidade
de pertencer-a-mim da recordação.
A consciência popular, por outro lado, tem tal dificuldade de negar existência real ao passado que admite, juntamente com esta primeira tese, outra concepção, também imprecisa, segundo a qual o passado teria uma espécie de existência honorária. Ser passado, para um acontecimento, seria simplesmente estar recolhido, perder a eficiência ser perder o ser. A filosofia bergsoniana retomou tal idéia: entrando no passado, um acontecimento não deixa de ser, apenas deixa de agir, permanece ‘em seu lugar’, em sua data, para toda a eternidade. Assim, restituímos o ser ao passado, e está certo; até afirmamos que a duração é multiplicidade de interpenetração e que o passado se organiza continuamente com o presente. Mas com isso não encontramos qualquer razão para esta organização ou esta interpenetração; não explicamos como o passado pode ‘renascer’ e infestar-nos, em suma, como podemos existir para nós".