Por que a visão de um filósofo romano sobre o medo da morte é importante à medida que o coronavírus se espalha


Por Thomas Nail*

Com a disseminação global do novo coronavírus, o medo de doenças e morte pesa pesadamente na mente de muitos. 

Tais medos muitas vezes podem resultar em desrespeito ao bem-estar dos outros. Em todo o mundo, por exemplo, itens essenciais como papel higiênico e desinfetante para as mãos foram vendidos, com muitas pessoas armazenando-os. 

Poeta e filósofo romano do século I aC, Lucrécio estava preocupado que nosso medo da morte pudesse levar a crenças e ações irracionais que poderiam prejudicar a sociedade. Como filósofo que acaba de publicar um livro sobre a teoria ética de Lucrécio, não posso deixar de notar como suas previsões se tornaram realidade.  

Lucrécio e suas crenças 

Lucrécio era um materialista que não acreditava em deuses ou almas. Ele pensava que toda a natureza era feita de matéria em constante mudança. 

Como nada na natureza é estático, tudo acaba por desaparecer. A morte, para Lucrécio, permitiu que uma nova vida emergisse da antiga. 

Quando não há perigo imediato de morrer, as pessoas têm menos medo da morte, diz Lucrécio em "The Nature of Things" [A natureza das coisas]. Mas quando a doença ou o perigo ocorrem, as pessoas ficam assustadas e começam a pensar no que vem depois da morte. 

Algumas pessoas podem se sentir melhor imaginando que têm almas imateriais que abandonam seus corpos ou que existe um Deus benevolente, escreve Lucrécio. Outros podem imaginar uma vida após a morte eterna, como o filósofo Todd May argumenta em seu livro de 2014, "Death" [Morte]. 

O medo da morte pode levar as pessoas a buscar conforto na ideia de que existe uma alma imortal que é mais importante que o corpo e o mundo material. 

Medo e divisões sociais 

No entanto, um perigo ético de tais crenças, argumenta Lucrécio, é que as pessoas possam se preocupar com algo que literalmente não importa. 

Lucrécio diz que esse medo e ansiedade mancha tudo na vida. "Não deixa prazer claro e puro" e pode até levar a "um grande ódio à vida". Estudos mostram que a ansiedade com a morte pode diminuir o sistema imunológico e torná-lo mais vulnerável a infecções. 

Além disso, Lucrécio diz que o medo da morte também pode levar as pessoas a criar divisões sociais. Quando as pessoas têm medo de morrer, podem pensar que se afastar dos outros ajudará a afastar o perigo, a doença e a morte. 

"É por isso que as pessoas, atacadas por falsos medos, desejam fugir para longe e se retirar", diz Lucrécio. 

Esse fenômeno está bem documentado em estudos de gerenciamento de terrorismo. O medo da morte resulta em um desejo de escapar de grupos desfavorecidos. 

Na China, por exemplo, os trabalhadores migrantes rurais foram impedidos de sair das cidades em quarentena, expulsos de apartamentos e recusados ​​pelos proprietários das fábricas, enquanto as autoridades tentavam controlar a disseminação do coronavírus. 

Nos EUA, os trabalhadores mais pobres não têm o luxo de trabalhar em casa quando as escolas fecham e não podem se dar ao luxo de tirar dias de doença ou procurar um médico. Eles são, portanto, mais vulneráveis ​​em comparação com aqueles que podem se dar ao luxo de se isolar. 

Os americanos asiáticos também estão enfrentando um aumento na discriminação após a disseminação do coronavírus. Menos pessoas estão indo a restaurantes chineses por medo de serem infectadas. As crianças asiáticas americanas também foram alvo de comentários racistas. 

Concentre-se em permanecer saudável 

O medo da morte é irracional, segundo Lucrécio, porque uma vez que as pessoas morrem, elas não ficarão tristes, julgadas por deuses ou terão pena da família; eles não serão nada. "A morte não é nada para nós", diz ele . 

Não temer a morte é mais fácil dizer do que fazer. É por isso que, para Lucrécio, é o desafio ético mais importante da nossa vida. 

Em vez de se preocupar com o que pode acontecer após a morte, Lucrécio aconselha as pessoas a se concentrarem em manter seus corpos saudáveis ​​e ajudar os outros a fazer o mesmo. 

*Thomas Nail é Professor Associado de Filosofia, Universidade de Denver, e Autor do livro Lucretius II. 


Artigo postado em The Conversation e traduzido por Papo de Filósofo®

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