Em diferentes momentos da história mudam-se conceitos sobre diversos aspectos humanos. Isto acontece no campo da ética, da política, da cultura, mas também na seara da filosofia e da educação. Mais especificamente na filosofia da educação, como coloca o professor e filósofo da educação Antônio Severino (2006), podemos situar cronologicamente três grandes momentos históricos: No primeiro momento (antiguidade e idade média) a educação sob a lógica da ética, no segundo (era moderna) com o ideal político iluminista e, mais recentemente (na contemporaneidade), com o conceito de formação cultural e estética de vida.
Na antiguidade, enquanto os pré-socráticos
refletiam sobre “o que é o mundo (cosmos), qual o princípio ou a origem
(arqué) do mundo e da natureza (phisys)” (RAMACCIOTTI, 2020),
Sócrates (469 a.C - Atenas, 399 a.C.), Platão (428/427 a.C - 348/347 a.C.) e
Aristóteles (384 a.C - Atenas, 322 a.C), sob o signo grego de Paidéia -
conceito do ideal ocidental da educação -, cunharam modelos éticos para
formação racional do cidadão.
Em Sócrates, através dos Diálogos de Platão,
podemos apontar a primeira preocupação com as questões humanas, como “o Bem, a
virtude, o amor, a justiça, a filosofia, a educação etc.” (RAMACCIOTTI, 2020).
Por isso, desde Sócrates nasce e predomina a ideia de educação do sujeito no sentido
de sua qualidade moral e a sua subsequente relação com a polis (cidade),
sendo, portanto, a ética “a força motriz de todo investimento pedagógico.”
(SEVERINO, 2006).
Porém, segundo MOREAU (1978 apud SEVERINO,
2006), foi Platão o primeiro a apresentar uma Filosofia da Educação na cultura
ocidental e a enxergá-la como necessária à formação do espírito. Para Platão,
“ao ensino, cabia o conhecimento em geral, mas a educação visava uma boa
conduta de vida, a virtude” (SEVERINO, 2006) e para elucidar o seu modelo,
apresentou a metáfora do Mito da Caverna. Como “um resumo da teoria dos dois
mundos, da teoria do conhecimento e da pedagogia (paidéia)”
(RAMACCIOTTI, 2020), o Mito (ou Alegoria) da Caverna representa o mundo
sensível que tomamos como verdadeiro e ao qual nos tornamos prisioneiros por
causa dos preconceitos, crenças e opiniões. Para sairmos das sombras da caverna
e alcançarmos o Bem (representado pelo sol), o filósofo propôs o método
dialético pelo qual seria possível a “purificação (ascese) e a libertação
da alma (mente)” (RAMACCIOTTI, 2020).
Aristóteles, seguindo o seu mentor Platão, adotou o
modelo do conhecimento verdadeiro (teórico e racional) em seu Liceu e foi o
primeiro filósofo a aplicar a palavra ética para a ciência que estuda o comportamento
humano (RAMACCIOTTI, 2020). Ele também foi o primeiro a escrever um tratado
sobre o assunto intitulado Ética a Nicômacos (dedicado ao seu
próprio filho), tendo o conceito de virtude como uma prática de
moderação que evita tanto o excesso como a falta de paixões e desejos. Para
Aristóteles, a ética é a ciência da ação, que estuda mais especificamente o
comportamento e o caráter (RAMACCIOTTI, 2020) e, discordando de seu professor,
compreendia que para agir de forma correta é preciso mais do que conhecer o Bem
intelectualmente, e sim criar um hábito para se alcançar a excelência.
É interessante notar que tais modelos, tanto de
Platão como de Aristóteles, influenciaram decisivamente a sociedade medieval e
a sua educação cristã, nas figuras de Agostinho de Hipona (354 - 430) e Tomás
de Aquino (1225 - 1274), respectivamente. Assim, na tradição medieval, a
educação era vista “como essencialmente formação ética (...) garantindo a
humanização do homem na medida em que ela possa contribuir diretamente para a
construção do próprio sujeito” (SEVERINO, 2006).
Agostinho de Hipona, inspirado no modelo ético de
Platão, idealizou uma sociedade como o lugar da felicidade verdadeira, composta
por homens virtuosos que escolhem o caminho do bem (SEVERINO, 2006). Tomás de
Aquino, por sua vez, inspirado na filosofia de Aristóteles, reforçou o sentido
de educação como uma espécie de atualização das potencialidades humanas que,
segundo o filósofo grego, atingiria o seu ápice na idade adulta. (SEVERINO,
2006).
Já na modernidade, no ideal Iluminista, os
filósofos defenderam uma educação como um direito para todos e criaram “as
bases do sistema de escola universal, obrigatória e laica que temos até hoje”
(RAMACCIOTTI, 2020). A educação passou a ter um caráter de formação política e
a ser pensada como uma autonomia racional e moral do indivíduo (SEVERINO,
2006). Segundo PEIXOTO (2010) esta "autonomia do aluno e, mais amplamente,
a de todo sujeito deve[ria] ser conduzida pela visão do lugar do homem no mundo
e na sociedade, constituindo-se como um projeto político."
Nesse sentido, tanto Immanuel Kant (1724 -1804)
quanto Jean-Jacques Rousseau (1712 - 1778) podem ser compreendidos como os
maiores representantes do ideal pedagógico iluminista. Isto porque a proposta
de educação destes filósofos é parte de um corpo que deve ser necessariamente
integrado à sua teoria política, no caso de Rousseau, e, no caso de Kant, de
“sua visão do destino da civilização humana como um todo” (SEVERINO, 2006).
Por isso Kant, um grande filósofo do seu tempo e
também da história - que idealizou uma sociedade baseada em princípios - tem no
centro do seu pensamento o homem e a comunidade humana (Goldman, 1967 apud PRESTES,
1993) - e, nesse sentido, concluiu que “é necessário apostar no homem”
(PRESTES, 1993). Assim, apesar de defender a ideia de uma educação impositiva,
o filósofo enfatizou que ela jamais poderia ser escravizante (KANT, 1999, p.
62 apud PEIXOTO, 2010). Em vez disso, a educação deveria
conduzir a uma razão esclarecida através do desenvolvimento de uma pedagogia
que ajudasse as crianças a pensarem por si mesmas, em detrimento de uma
educação que “treine” seres humanos (PEIXOTO, 2010).
Em certa medida, também seguindo uma perspectiva de
formação humana social e política, é possível se referir às obras de Karl Marx
(1818 - 1883), Émile Durkheim (1858 -1917) e Max Weber (1864 - 1920). Para
Durkheim, a realização dos indivíduos depende da realização da sociedade que,
embora formada pelos indivíduos, é independente e tem uma realidade própria. De
modo semelhante, Max Weber segue a abordagem de “consagração da prevalência das
leis impessoais da sociedade” (SEVERINO, 2006) e enfoca nos sistemas políticos
e econômicos com a lógica da racionalidade em sua análise da modernidade.
Porém, é na obra de Karl Marx que o “caráter determinante da essência humana
pelo social” (SEVERINO, 2006) é mais enfatizado. Marx entende que em seu
processo dialético o homem se constitui historicamente mediante seu agir
prático coletivo (Marx e Engels, 1997 apud SEVERINO, 2006).
Entretanto, na contemporaneidade, a compreensão
sobre a educação tem sofrido uma ressignificação: a ética e a política passaram
a ser questionadas como referências pelas filosofias pós-modernas e
pós-estruturalistas (SEVERINO, 2006). Alguns dos primeiros críticos radicais
desse modelo pedagógico - ainda na modernidade - foram Friedrich Nietzsche
(1844 - 1900) com a perspectiva estética dionisíaca em favor da corporeidade e
Sigmund Freud (1856 - 1939) com a teoria do inconsciente contraposta à ideia de
razão soberana do Iluminismo. No século XX tais críticas ganharam certa
robustez em nomes como os dos filósofos franceses Michel Foucault (1926 -1984)
e Gilles Deleuze (1925 - 1995).
Porém, foram os filósofos Theodor Adorno (1903 -
1969) e Max Horkheimer (1895 - 1973), da Escola de Frankfurt, os responsáveis
por um novo conceito pedagógico crítico ao da modernidade, como afirma SEVERINO
(2006):
“as posições teóricas elaboradas pelos pensadores frankfurtianos, particularmente por Adorno e Horkheimer, [que] inauguram uma concepção diferenciada da educação, que não se expressaria mais nem como formação ética do sujeito pessoal nem como formação política do sujeito coletivo, mas como formação cultural.” (SEVERINO, 2006 p. 630)
Para Adorno, a razão da modernidade se revelara
autoritária por colocar “significado predeterminado das coisas” (SEVERINO,
2006). Para o filósofo, a razão se transformou em um instrumento da ciência e
da tecnologia e desencantou o mundo, por isso ficou impossível falar sobre
“perfeição moral do sujeito pessoal e de qualquer futuro político formulável”
(SEVERINO, 2006). Como antídoto da instrumentalização da razão, Adorno retoma e
enfatiza uma experiência estética da corporeidade subjetiva como “experiência
primordial do homem” (SEVERINO, 2006).
Desta forma, a concepção educacional,
principalmente desde o século XX, deixou de se sustentar nas ideias de ética da
antiguidade e da idade média, e de política da modernidade. Em vez disso, os
novos modelos pedagógicos passaram a refletir sobre uma nova estética cultural
(antropológica) ligada ao bem-estar do sujeito, onde a corporeidade, antes
exorcizada pela hipertrofia da razão, passou a ter lugar de singular
importância.
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REFERÊNCIAS:
JOAQUIM SEVERINO, Antônio. A
busca do sentido da formação humana: tarefa da Filosofia da
Educação. Universidade de São Paulo, p. 624, 625, 626, 627, 629, 639, 631,
25 maio 2006. Disponível em:
http://digital.unisa.br/pluginfile.php/799210/mod_assign/introattachment/0/artigo%20Severino.pdf.
Acesso em: 4 mar. 2020.
PRESTES, Nadja Mara
Hermann. A educação, a razão e a autonomia. Educação e Filosofia,
Uberlândia, p. 1- 2, 1 jan. 1993. Disponível em:
http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/1113/996.
Acesso em: 4 mar. 2020.
PEIXOTO, Joana.; CARVALHO, Rose, M. A Noção
Moderna de Autonomia e o Papel do Aluno na Educação a Distância. Revista de
Educação; Goiânia, v. 13, n. 2, p. 282, 283 jul./dez. 2010.
RAMACCIOTTI, Bárbara. Prática pedagógica em
filosofia II. [S. l.], p. 2, 4, 5, 6, 7, 8, 20, fev.
2020. Disponível em:
http://digital.unisa.br/pluginfile.php/802715/mod_resource/content/0/0.MA.Elemento%20Textual%20-%20Pr%C3%A1tica%20Pedag%C3%B3gica%20em%20Filosofia%20II.pdf.
Acesso em: 4 mar. 2020.
Imagem: Pixabay