Filosofia da linguagem: Frege, Russell e Wittgenstein

 



Por Vânderson Domingues*

O final do século XIX e o início do século XX trouxeram mudanças significativas para a filosofia, seja pela consolidação do pensamento que podemos chamar de contemporâneo, pela emergência da ciência e descobertas tecnológicas, como pelo impacto da descoberta do inconsciente por Freud.

Uma das importantes transformações se deu na filosofia da linguagem e ficou conhecida como “virada linguística”. Nesta seara, se destacam nomes como Frege, Russell e Wittgenstein que tinham como trabalho resolver questões filosóficas através da análise da linguagem.

Mas o que seria Filosofia da Linguagem? Filosofia da linguagem é o ramo da filosofia que se ocupa de questões como "a natureza do significado, uso da linguagem, compreensão da linguagem, relação da linguagem com a realidade" (MACIEL, 2020) e as questões derivadas delas. De acordo com Machado (2020), a Filosofia da Linguagem e a Filosofia da Mente investigam questões filosóficas semelhantes, pois ambas lidam com o “paradoxo fundamental de nossa autorreferência: de nossa capacidade de não apenas nos referirmos ao mundo, mas nos referirmos a como nos referimos ao mundo” como também de “pensarmos sobre nós mesmos e buscarmos conhecer a nós mesmos”.

Assim, o primeiro pensador que podemos citar, Friedrich Ludwig Gottlob Frege (1848 – 1925), matemático de destaque e filósofo alemão, foi pioneiro nos alicerces da filosofia da linguagem como conhecemos hoje. Em sua abordagem, Frege trabalhou com os conceitos de sentido e referência. De acordo com Machado (2020), Frege entendia como sentido “o modo com que um objeto é dado para nós” e que “a referência de uma proposição nada mais é senão seu valor de verdade”.

Em seu exemplo mais conhecido, Frege utiliza as expressões “A estrela da manhã”, “A estrela da tarde” e “A estrela da manhã é a estrela da tarde” para explicitar sua teoria. Se “A estrela da manhã é a estrela tarde” isto significa dizer que esta proposição expressa que “a=b”. Entretanto, Como as proposições não explicitam porque “A estrela da manhã é a estrela tarde”, ou seja, como não fica claro que se trata do planeta Vênus, é possível afirmar que uma pessoa poderia avistar Vênus pela manhã e pela tarde, sem saber que se trata do mesmo astro. Desta forma, dizer que duas expressões diferentes são idênticas, ou seja, que “a” é idêntico a “b” traz a necessidade de uma compreensão deste enunciado, já que um objeto só pode ser integralmente idêntico a ele mesmo e, como a expressões “a” e “b” explicitam, trata-se de dois objetos distintos.

Por isso, Frege se utiliza do sentido para solucionar o problema. No exemplo anterior, o que se pretende com a proposição “A estrela da manhã é a estrela tarde” é que “a estrela que aparece de manhã é a mesma estrela que aparece de tarde” (MACHADO, 2020), ou seja, trata-se de uma mesma estrela, uma mesma referência que aparece de dois modos diversos.

Diante disto, Frege evoluiu o seu escopo filosófico para o que chamou de “Conceito de conceito”. Para o filósofo, conceitos também possuem sentido e referência. Por conceito, Frege compreendia que seria “aquilo que se obtém quando se remove as expressões nominais de uma proposição” (MACHADO, 2020). Por exemplo, em “Márcia é paulista”, quando se retira a expressão nominal, ou seja, “Márcia”, se obtêm o conceito “... é paulista”. Portanto, o conceito é um sentido que não tem uma referência fechada e determinada.

O segundo pensador, Bertrand Arthur William Russell (1872 – 1970), também era matemático e filósofo, e trouxe para a Filosofia da linguagem uma abordagem diferente da proposta por Frege, que ficou conhecida como atomismo lógico. Para o filósofo, “o significado dos nomes, em vez de ser o seu sentido, como no caso de Frege, seria, simplesmente, a própria coisa a que ele se refere” (MACHADO, 2020).

Por isso, para Russel o conhecimento se dá por familiaridade e descrição. Familiaridade seria o conhecimento que temos das coisas, do modo como elas são dadas e se dá pelos sentidos, memória ou conceitos gerais. Descrição, por sua vez, seria o conhecimento composto – se dá por conexão de diferentes conhecimentos – e pode ser nosso próprio ou de outras mentes. Com esta premissa, Russel desenvolveu o atomismo lógico. Para ele, todas as sentenças da linguagem, quando analisadas, são compostas de “átomos”, ou seja, das partes simples do conhecimento por familiaridade.

Porém, a concepção de Russel traz consigo uma situação problema: o que fazer em casos em que não temos contato direto com o objeto e, portanto, não se pode atribuir o conhecimento por familiaridade? Como essa estrutura filosófica resolve casos em que o objeto citado é fictício, ou seja, simplesmente não pode ser comprovada a sua existência na realidade? Nesse sentido, o nome “fada”, por exemplo, não deveria fazer sentido algum. Entretanto, quando ouvimos o nome “fada” remetemos, geralmente, a imagem conhecida de uma criatura mitológica mágica com asas.

Para Russel essa questão pode ser facilmente resolvida. O filósofo diz que, na verdade, em casos como este, não se trata de conhecimento por familiaridade e sim de um conhecimento descritivo. Em outras palavras, temos uma imagem do que é uma “fada” indiretamente por descrição. Desta maneira, “se há nomes que têm significado, mesmo que se refiram a algo com que não temos contato direto por familiaridade, isso se deve ao fato de que tais nomes, em verdade, são meramente descrições” (MACHADO, 2020).

O terceiro filósofo da linguagem, Ludwig Joseph Johann Wittgenstein (1889 – 1951), como os dois anteriores, também foi matemático e é o mais famoso deles, considerado como um dois mais importantes pensadores do século XX.

Para compreender o trabalho de Wittgenstein, primeiro é preciso compreender que existem “dois Wittgensteins”, um com um trabalho da juventude e o outro da maturidade filosófica. Na primeira fase escreveu o livro Tractatus Logico-Philosophicus e na maturidade o livro Investigações Filosóficas.

Em Tractatus Logico-Philosophicus o filósofo propõe, como parte central de sua obra, três proposições:

1) O mundo é tudo que é o caso.

2) O que é o caso, o fato, é a existência de estados de coisas.

3) A figuração lógica dos fatos é o pensamento.

(WITTGENSTEIN, 1995, §§ 1, 2 e 3 apud MACHADO, 2020).

A primeira proposição, “O mundo é tudo que é o caso”, significa que o mundo deve ser compreendido como uma totalidade, mas “totalidade de alguma coisa– e aquilo de que o mundo é totalidade é, justamente, daquilo ‘que é o caso’” (MACHADO, 2020).

Isso nos leva para a segunda proposição e a necessidade de entender “o que é o caso”. Como dito na própria proposição, o caso “é a existência de estados de coisas”. Em outras palavras, de acordo com Machado (2020), o estado de coisas seria “uma determinada condição em que um conjunto de coisas se encontraria” ou “um modo como as coisas se encontram. Esse modo, por sua vez, é dado a partir de como esse conjunto de coisas se encontram em relação determinada umas às outras (MACHADO, 2020). Essas proposições levam o Wittgenstein a afirmar que os objetos (coisas) são a substância do mundo (WITTGENSTEIN, 1995, § 2.021, apud MACHADO, 2020).

A seguir, temos a terceira proposição: A figuração lógica dos fatos é o pensamento. Nesta proposição, em especial, Wittgenstein faz uma conexão entre a realidade e os pensamentos, por entender que a linguagem seria “como um retrato da realidade” (MACHADO, 2020) pois ambas, realidade e linguagem,teriam a mesma relação lógica entre os seus elementos (objetos/coisas). Dessa forma, “linguagem e realidade compartilham, então, a mesma forma lógica, ou seja, a mesma estrutura, e isso que faz com que a linguagem possa ser uma figuração da realidade” (MACHADO, 2020).

Entretanto, em seu mais importante livro da fase madura, Investigações Filosóficas, Wittgenstein repensa sua teoria de filosofia da linguagem. Sua abordagem passa por uma mudança radical e migra de uma concepção baseada em uma linguagem formal para “os jogos de linguagem”. Nesse sentido, o ponto central desta mudança, talvez esteja na abordagem que se desloca de uma estrutura abstrata para uma percepção da linguagem na própria atividade humana e no contexto em que ela está inserida. Em outras palavras, de acordo com Machado (2020), a linguagem “deve ser compreendida pelo que ela faz, e apenas aí se encontraria o seu verdadeiro significado”:

Mas quantos tipos de sentenças existem? Talvez asserção, pergunta e ordem? – Há inúmeros desses tipos: inúmeros tipos diferentes de emprego de tudo o que chamamos de “sinais”, “palavras”, “sentenças”. E essa multiplicidade não é nada fixa, dada de uma vez por todas; mas novos tipos de linguagem, novos jogos de linguagem, poderíamos dizer, passam a existir, e outros envelhecem e são esquecidos. (WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. 1. ed. São Paulo: Editora Unicamp, 2017, p. 26)

Mas o que seria jogo de linguagem? “Wittgenstein não nos dá uma definição, pois é justamente com essa visão de filosofia que está tentando romper: a de que cada palavra corresponde a um objeto” (SILVA, 2020). Porém, para explicar melhor o seu conceito, o filósofo sugere que pensemos no jogo de xadrez que tem um conjunto de regras, “que estabelece que ações são permitidas no jogo, e que ações não são – em outras palavras, que ações são significativas, ou dotadas de significado, e quais não são” (MACHADO, 2020):

Quando se mostra para alguém o rei no jogo de xadrez e se diz “Este é o rei”, não se explica para essa pessoa, com isso, o uso desta peça, – a não ser que ele já conheça as regras do jogo salvo esta última definição: a forma da peça do rei. Pode-se imaginar que ele tenha aprendido as regras do jogo sem que se lhe tenha sido mostrada alguma peça real do xadrez. A forma da peça do jogo corresponderia aqui ao som ou à forma de uma palavra. (WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. 1. ed. São Paulo: Editora Unicamp, 2017, p. 32) 

Destarte, pode-se afirmar que, no âmbito da filosofia da linguagem, tanto Friedrich Frege com as concepções de sentido e referência e o conceito de conceito, como Bertrand Russell com o atomismo lógico e Ludwig Wittgenstein jovem e maduro com as proposições formais-abstratase os jogos de linguagem, respectivamente, contribuíram para o que hoje conhecemos como a “virada linguística” e a sua aplicação para as relações humanas.

*Vânderson Domingues é especialista em clínica existencialista, escritor, compositor e fundador/editor do Papo de Filósofo®.

Texto escrito em 2020. 

Imagem: Pixabay

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REFERÊNCIAS

MACHADO, Lucas. [S. I.], 2020. Filosofia da Mente e da Linguagem. Disponível em: http://digital.unisa.br/pluginfile.php/989971/mod_resource/content/0/0.MA.Filosofia%20da%20Mente%20e%20da%20Linguagem.pdf. Acesso em: 28 de Agosto de 2020

MACIEL, Willyans. [S. I.],  2020.  Filosofia da linguagem. Disponível em:  https://www.infoescola.com/filosofia/filosofia-da-linguagem/. Acesso em: 28 de Agosto de 2020

SILVA, Josué Cândido da. [S. I.],  2020. Filosofia da linguagem (4) - Wittgenstein e os infinitos jogos de linguagem. Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação. Disponível em:  https://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/filosofia-da-linguagem-4-wittgenstein-e-os-infinitos-jogos-de-linguagem.htm. Acesso em 28 de Agosto de 2020

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. 1. ed. São Paulo: Editora Unicamp, 2017.

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