Uma nova cruzada à "Terra Santa"?


 

Por Vânderson Domingues 

Para uma parcela considerável de neo cristãos brasileiros, Israel é a "Terra Prometida" onde Jesus retornaria em sua glória para julgar os pecadores e arrebatar os que nele creem. Essa metafísica sustenta a carta branca dada por esses fiéis para o Estado de Israel atropelar qualquer ética contemporânea que salvaguarde a dignidade humana, desde que a "Terra Santa" seja protegida. Na verdade, tudo indica que o desejo "secreto" desse campo religioso é a expansão contínua do Estado de Israel - como vem acontecendo desde a sua criação pós segunda guerra - para este se impor sobre o mundo secular e ostentar o "poder" de Deus a partir da confusão que se faz entre o Estado geopolítico e a Israel bíblica. Com isso, é possível dizer que uma nova cruzada parece ter surgido no imaginário dos crentes da escatologia fundamentalista que endossam uma "guerra espiritual" e não poupam nem mesmo os que historicamente talvez mais se assemelham aos cristãos da época de Jesus: o povo palestino. Em alguma medida, isso se alinha ao modus operandi do próprio Estado de Israel que ao longo das décadas controla e massacra a Palestina com tecnologia bélica de ponta, muitas vezes fornecida pelos EUA, enquanto se defende das críticas com o discurso étnico-religioso de perseguidos pelo antissemitismo. Vale lembrar, nesse sentido, que para o judaísmo Jesus não é o Salvador e eles ainda esperam o enviado de Deus que libertaria o povo eleito. Mas como então os neo cristãos brasileiros convergem com a religião judaica se esta não crê em Jesus? Curiosamente, além do pensamento mítico-mágico sobre Israel ser a "Terra Santa", há também uma identificação religiosa prática dos neo cristãos brasileiros com o judaísmo já que a ética adotada por ambos é a do antigo testamento. Então, do ponto de vista messiânico, tanto para uma parcela minoritária de judeus - a maioria tem uma compreensão mais geopolítica do que religiosa da questão Palestina - quanto para alguns grupos cristãos brasileiros, a violência que acontece em Gaza se justifica por uma ética-metafísica da esperança (promessa divina) que deve preservar a "Terra Santa" a qualquer preço, premissa esta que se fortaleceu com a ataque do grupo terrorista Hamas**. Mas, diante da lógica perversa que trata civis da palestina como inimigos sub-humanos em nome de um suposto sumo bem, vale lembrar da reflexão do filósofo de origem judaica Emmanuel Levinas sobre a ideia de Terra Santa: "A pessoa é santa, mais santa que uma terra, mesmo quando a terra é a Terra Santa. Ao lado da pessoa ofendida, essa terra - santa e prometida - é só nudez e deserto, um amontoado de madeiras e pedras."¹.

(23/02/24)

* Não há o novo testamento cristão no judaísmo.

** Sobre o ataque do Hamas em Israel 

¹ Zarader, Marlène. Heidegger e as palavras da origem. (Prefácio)

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